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A relíquia bárbara está de volta

Publicado em 09/04/2024

Perspectivas para as cotações do ouro

Por Ecio Morais*

Os antecedentes

O ouro possui as qualidades de um instrumento monetário clássico como durabilidade, maleabilidade, beleza, imunidade à corrosão, grande densidade de valor e raridade sem ser excessiva. Dadas essas características, o metal ajustou-se com perfeição ao figurino de moeda corrente e, há mais de 5.000 anos, tem sido adotado, de diferentes formas, como uma âncora cambial e reserva de valor.

Ao final da Segunda Grande Guerra, a Conferência de Bretton Woods, mais uma vez, elegeu o ouro como alicerce de uma nova ordem econômica mundial. O arranjo monetário adotou uma relação fixa entre o dólar, moeda da nova potência econômica, e o ouro à US$ 35,00 a onça-troy. Naquele momento, a moeda americana era a única efetivamente conversível em ouro, uma vez que, os Estados Unidos detinham 60% das reservas mundiais do metal. O modelo “dólar-ouro”, vinculou as demais moedas e reestabeleceu o equilíbrio monetário internacional. No entanto, com a recuperação econômica e com os dispêndios militares na guerra do Vietnã, os Estados Unidos foram obrigados a promover emissões crescentes de dólares, causando a sensação de que a oferta disponível de ouro não atenderia a demanda monetária e industrial.

Em 15 de agosto de 1971, visando conter a sangria de ouro de suas reservas, o então presidente americano Richard Nixon comunica que os Estados Unidos não garantiriam mais a conversibilidade automática dólar-ouro e, partir desse momento, as cotações do metal flutuariam livremente sem uma ostensiva influência oficial. O Padrão Ouro estava suspenso, mas o metal nunca perderia seu apelo como reserva cambial, proteção de riqueza e refúgio em momentos de crise. A geopolítica, o comportamento do dólar, o equilíbrio fiscal, a expectativa inflacionária e as reservas dos bancos centrais tornaram-se os elementos condutores da cotação do ouro nos anos subsequentes.

O cenário atual

O ambiente geopolítico tornou-se altamente volátil nos últimos anos. A guerra na Ucrânia, a instabilidade no Oriente Médio, a tensão crescente entre Estados Unidos e China e a polarização política em diversos países, têm impactado profundamente a economia mundial e, por consequência, as cotações do ouro. A demanda dos bancos centrais, principalmente da China, dobrou nos últimos meses, saindo de 450 toneladas em 2021 para 1.100 toneladas em 2023. A imposição de sanções econômicas, e congelamento das reservas monetárias da Rússia, assustaram os Chineses que, agora querem se desfazer de suas reservas na moeda americana. Os BRICs também ensaiam uma desvinculação do dólar como ativo de reserva. Estamos presenciando, portanto, uma progressiva “desdolarização” da economia mundial e essa tendência impacta as cotações do ouro.

Importante lembrar ainda que, atualmente, a Ásia, particularmente Índia e China, respondem por mais da metade da demanda mundial. As decisões tomadas nessa região alteram o quadro como um todo. Nos últimos 25 anos as cotações do metal foram multiplicadas por 10 vezes. Nos últimos 06 meses, a valorização do ouro supera 25%, sendo 13% somente no corrente ano.

As perspectivas

Infelizmente, o quadro atual tende a permanecer ou se agravar. Os conflitos militares (Ucrânia e Oriente Médio) não têm perspectiva de solução no curto prazo, as eleições americanas em novembro deste ano serão uma das mais tensas e polarizadas da história (sem contar que temos dois candidatos octogenários disputando a cadeira da, ainda, maior potência militar do planet) a e os conflitos comerciais e de interesse estratégico entre Estados e China (Taiwan, semicondutores, mar do sul da China) continuam no horizonte.

Adicionalmente, a pandemia da Covid-19 precipitou a economia mundial em uma crise na cadeia de abastecimento (quem não se lembra da falta de seringas e itens básicos para combater a epidemia, que até hoje não foi equacionada?). Na verdade, o drama sanitário acelerou o processo de reversão da agenda globalizante que marcou o cenário mundial nos últimos 30 anos. Estamos observando uma progressiva regionalização da economia com impactos nas perspectivas de inflação estrutural e, por consequência, nos preços do ouro.

Esse contexto tem levado as agências e bancos de investimento a projetarem o preço do ouro em torno de US$ 2.000 a onça, ou mais, por alguns anos ainda. No curtíssimo prazo, as cotações serão influenciadas pelo comportamento das taxas de juros americanas, pelo desdobramento dos conflitos militares na Ucrânia e no Oriente Médio e pelo panorama eleitoral nos Estados Unidos. Em qualquer desses cenários, podemos afirmar que a relíquia bárbara está de volta.

*Ecio Morais é diretor executivo do IBGM