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A Mineração de Ouro no Brasil

Publicado em 15/08/2019

Por um novo ciclo, sustentável e com responsabilidade social

Apesar das controvérsias e tragédias associadas à exploração mineral, o Brasil vive um casamento indissolúvel com sua indústria de mineração. O setor gera 200 mil empregos, responde por 4% do Produto Interno Bruto, exporta US$ 50 bilhões por ano, valor correspondente a 25% da pauta de exportação do país, e juntamente com a agricultura, é hoje um dos motores que mantém a economia em movimento.
O país é uma potência mineral em diversos segmentos como mármore e granito, nióbio, minério de ferro, bauxita, ouro e pedras preciosas. Infelizmente, nos últimos meses essa dimensão da nossa economia, tem ocupado mais a página policial do que o caderno de negócios dos jornais. A tragédia humana e ambiental decorrente do rompimento das barragens de Mariana e Brumadinho e dos garimpos ilegais de ouro na Amazônia, tem ocupado a atenção da mídia e denegrido a imagem do setor perante a sociedade. Esses incidentes são dramáticos, porém previsíveis, e poderiam ser evitados se houvesse uma maior atenção do poder público sobre o setor.

Somente em 2017, por exemplo, o governo criou uma agência independente para monitorar a atividade de mineração, substituindo o antigo DNPM – Departamento Nacional de Produção Mineral – e até hoje a pesquisa e a exploração mineral em terra indígena, prevista na Constituição de 1988, não foi regulamentada pelo poder legislativo. O descaso, a falta de recursos para fiscalização de garimpos e a ausência de uma legislação condizente com a importância do segmento começou a cobrar seu preço em termos de degradação ambiental e tragédias humanas.
A administração do presidente Jair Bolsonaro, com algumas ressalvas, dá sinais de que pretende mudar esse quadro, abrindo uma janela de oportunidade para o debate, o equacionamento e a superação dos entraves que inviabilizam o desenvolvimento sustentável da mineração no Brasil.
Nosso propósito com o presente artigo, no entanto, não é tratar do tema em toda sua amplitude, tarefa por demais complexa e ambiciosa, mas sim discorrer sobre a exploração mineral de ouro no Brasil, particularmente o período pós Serra Pelada, quando esse mercado foi regulamentado e ganhou novos contornos e significativa importância para a economia nacional.

Até o final dos anos 70, apesar do reconhecido potencial geológico para a produção de ouro, o governo brasileiro, demonstrava um notável desinteresse pela atividade. A produção nacional encontrava-se quase que integralmente na clandestinidade, e não era suficiente para atender nem mesmo a demanda industrial, proveniente da indústria de joias e eletroeletrônica. O mercado de investimento em bolsa praticamente inexistia.
O ano de 1980 estabeleceu um marco divisor nesse mercado em função de três fatores: em primeiro lugar devido a descoberta de Serra Pelada e o enorme potencial de produção ouro neste garimpo a céu aberto. O segundo fator refere-se ao comportamento dos preços do metal no mercado internacional ao longo dos anos 70, mais especificamente no final da década. Naquele período as cotações bateram recordes sucessivos nas principais bolsas do mundo. Este fato estimulou a pesquisa e a produção mineral. Finalmente, a terceira e talvez mais importante razão, está na progressiva deterioração das contas externas brasileiras observadas no início dos anos 80, o que despertou nas autoridades do Banco Central o interesse pelo metal precioso como reserva cambial.

Naquele momento, o interesse das autoridades em Serra Pelada não era apenas regularizar as condições de produção e comercialização do ouro no garimpo, mas sim adquirir o metal, um ativo de liquidez internacional, transformá-lo em moeda forte e tentar financiar, ainda que temporariamente, o desequilíbrio no balanço de pagamentos causado pela alta explosiva dos juros internacionais, incidentes sobre a dívida externa, e pelo segundo choque nos preços do petróleo. A Caixa Econômica Federal era o agente oficial para a compra do ouro no garimpo e o preço do metal era determinado com base na Bolsa de Londres convertido para o cruzeiro pela taxa oficial de câmbio.
A CEF conseguia comprar o ouro pela taxa oficial de câmbio porque, de 1980 até meados de 1981, ocorreu uma convergência das taxas do dólar no mercado oficial e no paralelo. Sendo assim, o ágio entre as cotações era relativamente baixo, e o preço estabelecido pelo Banco Central, estava razoavelmente dentro das cotações praticadas no mercado internacional e que, no Brasil, correspondiam às taxas do dólar no câmbio paralelo. Esta situação, porém, não permaneceria por muito mais tempo.

Em meados de 1981, a situação do Balanço de Pagamentos se agravou e, o governo passou a restringir o acesso do mercado à moeda estrangeira. As cotações do dólar oficial e paralelo começaram a se distanciar. Enquanto as cotações do câmbio oficial e do mercado paralelo convergiam, a Caixa Econômica conseguia adquirir o ouro no garimpo. Quando estas taxas se distanciaram, o Banco Central foi obrigado a adquirir o ouro pelas cotações do Black.

A decisão foi tomada pelo Conselho Monetário Internacional em 26 de agosto de 1981 e representou um primeiro passo em direção à regularização do mercado de ouro e uma ruptura no rigoroso sistema de monopólio dos preços de câmbio praticado pelo Banco. Central
Em 1982, na eminência de um colapso em suas contas externas, o Banco Central determinou que a Caixa Econômica Federal acelerasse as compras no garimpo. Em uma luta desesperada para defender o nível das reservas cambiais, a Caixa Econômica chegou a pagar até 10% acima dos preços praticados no mercado internacional. Entre o último trimestre de 1982 e o primeiro de 1983, o Banco Central praticamente liquidou suas reservas cambiais revendendo no mercado internacional cerca de 130 toneladas de ouro a um preço médio de US$ 438,00 a onça-troy. No auge da crise o BACEN chegou a vender o metal em estado bruto, sem nenhum tipo de beneficiamento em um esforço final para evitar a insolvência do país.

Nesse sentido, a implosão financeira do Brasil em 1982, foi um marco divisor no processo de criação do mercado de ouro porque alertou as autoridades para a necessidade de legalizá-lo e trazê-lo à superfície. Isso estimulou uma aproximação do governo com o setor privado em busca de mecanismos para a liberalização e regularização do mercado. Em 30 de julho de 1981 a Bolsa de Mercadorias de São Paulo lançou o primeiro contrato futuro de ouro do Brasil. e, já em 1984, o metal assumia a liderança da bolsa com 61,5% dos negócios futuros.

A iniciativa de se desenvolver um mercado de investimento em ouro no país foi favorecida porque o tratamento fiscal do ouro no mercado financeiro era diferenciado. Sobre o ouro, naquele período, incidia o IUM – Imposto Único sobre Minerais (extinto em 1988), com alíquota de 1% no ato da primeira compra e 1,2% de contribuições sociais, “em cascata” a cada vez que o metal era comercializado. Atuando como uma espécie de “padrinho” do processo, o Banco Central incentivou a concentração do mercado de ouro no segmento financeiro, uma vez que, nesta área ele estaria sob sua rigorosa fiscalização.

O mercado começou a se formalizar porém, muitos obstáculos ainda impediam sua completa legalização. As fundidoras e o Banco Central possuíam o monopólio das compras nos garimpos, a Secretaria da Receita Federal não permitia ao investidor descontar do Imposto de Renda devido, a correção do custo de aquisição do ouro pela inflação entre o ato da compra e venda do metal, as exportações de artefatos de ouro estavam inviabilizadas pelo diferencial entre o câmbio paralelo (cotação de compra do ouro) e o câmbio oficial (cotação das receitas com as exportações) e, finalmente, o monopólio dos preços de câmbio praticado pelo Banco Central estimulava operações ilegais de arbitragem com ouro.

Estes obstáculos foram sendo superados um a um, tendo sempre o Bacen como principal protagonista das decisões. O monopólio das fundidoras foi rompido em 1987 e a nova legislação permitiu a aquisição de ouro no garimpo por instituições financeiras, permitindo assim uma melhor fiscalização do BACEN. A Instrução Normativa 48 de 15.04.87 da Receita Federal, reconheceu a correção monetária do custo de aquisição do ouro, retificando assim uma injustiça fiscal que estimulava a sonegação de impostos.

A Resolução 1121 de 04.04.86 do Banco Central garantiu as empresas que exportassem artefatos de pedras preciosas e joias uma remuneração em “Certificado de Ouro”, equivalente ao montante de moeda estrangeira efetivamente ingressado no país em pagamento destas exportações. Na prática, o BACEN passou a remunerar as exportações de joias e pedras preciosas em ouro cuja cotação está vinculada ao dólar paralelo, ressarcindo ao exportador a diferença cambial existente entre o câmbio paralelo e o oficial.

Em 23 de janeiro de 1986, foi inaugurada a BM&F – Bolsa Mercantil & de Futuros, hoje a quarta maior bolsa de futuros do mundo. No pregão da BM&F, a transparência de preços é absoluta e o primeiro produto a ser negociado foi o ouro. A BM&F simplificou e deu credibilidade às negociações. O ouro adquirido pelo investidor ficava sob custódia da Bolsa, que oferece garantias básicas como origem das barras, teor de pureza do metal e o peso do lingote. A Bolsa garante ainda a fungilibidade do ouro, isto é, as características básicas são as mesmas seja qual for o fundidor ou banco depositário. Em 1988 a BM&F fechou convênio com a RADIOBRÁS para transmitir as cotações do ouro, ao vivo, pela manhã levando assim, a transparência no preço do metal às regiões de garimpo.

Todo este esforço destinado a regularizar e dar transparência ao mercado de ouro no país, esteve ameaçado pela nova legislação decorrente da reforma constitucional de 1988. A Constituição de 1988 extinguiu o IUM – Imposto Único sobre Minerais – que foi incorporado pelo novo ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – e colocou o ouro sob a ameaça de ser tributado em até 25% pelos estados da federação. Diante da ameaça, o setor financeiro, com apoio ostensivo do Banco Central, se mobilizou e conseguiu que os constituintes desdobrassem a abordagem do ouro distinguindo o metal em ouro-mercadoria, que passou a sofrer a incidência do ICMS de 18% e ouro ativo-financeiro com alíquota de 1% de IOF – Imposto sobre Operações Financeiras.

Esta decisão penalizou e segregou o setor produtivo de artefatos de metais preciosos, situação que perdura até hoje, mas garantiu a continuidade do processo de formalização do mercado primário de ouro no Brasil, uma vez que, para enquadrar-se como ativo financeiro, o metal deve ingressar no mercado através de instituição financeira autorizada pelo Banco Central e necessita, ainda, estar amparado por nota fiscal desde sua retirada do garimpo.
O processo de regularização do mercado primário de ouro no Brasil, portanto, pouco tem a ver com o controle policial das fronteiras ou com o rigor dos agentes tributários. O sucesso do programa pode ser creditado, antes de tudo, à uma parceria entre o setor público e a iniciativa privada e à um paciente trabalho de esclarecimento junto aos poderes executivo e legislativo que resultaram na adoção de um tratamento fiscal adequado às especificidades do metal enquanto ativo financeiro e instrumento cambial.

Decorridos 30 anos de um longo percurso, hoje, o mercado primário de ouro no Brasil encontra-se em boa parte regularizado. Das 90 toneladas produzidas pelo Brasil todo ano, mais de 75% provem de grandes mineradoras que cumprem rigorosamente a legislação ambiental. Infelizmente a quase totalidade dessa produção é voltada à exportação com baixo valor agregado.

O grande desafio que se coloca hoje, é a regularização da produção garimpeira proveniente de milhares de trabalhadores autônomos, dispersos geograficamente, operando em precárias condições de organização, utilizando-se de técnicas rudimentares, com baixa produtividade e, usualmente, comprometendo o meio ambiente.

Mais uma vez as autoridades devem buscar uma interlocução com o setor privado, além informatização e modernização dos procedimentos fiscais de aquisição de ouro nos garimpos, o aperfeiçoamento e a agilização dos processos de concessão de lavra e, finalmente, a adequação tributária do ouro quando destinado a indústria. Ao permitir uma tributação diferenciada para o ouro ativo financeiro, 1% de IOF, e para ouro com destinação industrial, 18% de ICMS, os constituintes de 1988 comprometeram a viabilidade de uma indústria de joias em condições regulares no país.

Depois de 30 anos o Brasil tem a oportunidade de renovar o ciclo do ouro de forma sustentável, responsável e estimular o desenvolvimento de uma indústria joalheira que, a exemplo da India, poderá gerar bilhões de dólares de divisas internacionais, renda, emprego e prosperidade para todos.